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“Não se ensina truque novo a cachorro velho”

Olá, querido(a) leitor(a). Vamos para mais uma reflexão?


Há um ditado muito conhecido: não se ensina truque novo a cachorro velho. A expressão é antiga. Na verdade, tem mais de 500 anos. John Fitzherbert, no século XVI, afirmou que é difícil um cachorro velho aprender novos truques. Desde essa época, as pessoas utilizam a expressão, no âmbito da educação, para referir-se ao fato de que pessoas idosas, ou mesmo adultas, adquirem novos saberes com maior dificuldade. Alguns acreditam que, dependendo do conhecimento (truque), o idoso realmente não aprende.


Se você tem um cachorro ‘velho’, ou qualquer outro animal com idade avançada, é provável que você já tenha ensinado algo a ele e obteve êxito, assim como, tentou ensinar um truque novo e não deu tão certo. Não entrarei no mérito da cognição canina, até porque não entendo desta área. Tratarei apenas do indivíduo adulto que, na minha opinião, aprende até o último dia de sua vida.


Vamos começar por entender que a expressão


“Não se ensina truque novo a cachorro velho”

retrata uma visão muito comum da sociedade. “Ah, quanto mais novos nós formos, mais facilmente aprenderemos”. De fato, faz sentido acreditar que a criança terá mais facilidade para aprender a andar de bicicleta, nadar, falar um novo idioma, aprender a programar, dentre outros conhecimentos.


Isso está muito relacionado com a forma de ensinar. Se refletirmos, ensinar um truque novo, para um ‘cachorro novo’, deve ser feito de forma diferente de uma tentativa de ensinar o mesmo truque novo para um ‘cachorro velho’. O educador precisará de didáticas distintas, exemplos específicos para cada realidade. Mas por que isso? O cachorro é ‘velho’, já viveu, tem experiências e histórias de vida, assim como, tem preconceitos, dúvidas e receios.


Numa dessas, o ‘cachorro velho’ já tentou aprender aquilo que você, educador, quer ensinar. Numa dessas, ele até já tentou pesquisar, teve contato com alguém que possui o conhecimento, já observou sua aplicabilidade e por aí vai. Eu poderia apresentar diversas situações que defenderiam a necessidade de explorar as experiências de cada aprendiz. Fato é que, seja um cachorro, ou mesmo um adulto aprendiz, não devemos desconsiderar tudo aquilo que o indivíduo leva consigo para o ambiente de aprendizagem.


Quando somos ‘velhos’ a aprendizagem pode tornar-se difícil, mas pode ser ‘facilitada’. Como adultos, precisamos, antes de tudo, reconhecer e admitir o que não sabemos. Às vezes, as experiências anteriores de aprendizagem foram negativas e associadas a sentimentos como o medo e o fracasso.


Mas, como sempre enfatizo, se você é um educador de adultos, acredite no seu potencial. É possível contornar esses sentimentos, as dificuldades de aprendizagem, e envolver o indivíduo adulto no processo de ensino e aprendizagem. Basta querer!


Sendo assim, entendo que poderíamos facilmente alterar a expressão “não se ensina truque novo a cachorro velho” para “é difícil ensinar truque novo a cachorro velho, mas não é impossível”.


Há ainda, caro leitor(a), outra expressão que compartilho contigo. Em inglês, na área da educação de adultos, é comum encontrar autores e pesquisadores escrevendo sobre ‘What’s In It For Me?’ (do acrônimo WIIFM). Em português, seria algo como “O que tem para mim?” ou, mais popularmente, “O que eu ganho com isso?”. Essa é uma pergunta muito frequente na educação acadêmica e corporativa. Os alunos adultos entram em sala de aula com essas dúvidas.


Inclusive, como sugestão, saiba que no blog da Andragogia Brasil você encontra um texto intitulado “Para que vou usar isso?“. É uma provocação que caminha neste sentido: dúvidas comuns por parte dos aprendizes, que iniciam a formação já com receios, incertezas e ‘pré-conceitos’ diante da aprendizagem.


O adulto, no papel de aprendiz, precisa enxergar a aplicabilidade de um novo saber, assim como, deve compreender como e quando o novo conhecimento trará benefícios para o cotidiano.


“Ah, é para isso que serve? Ótimo”. Neste sentido, o educador de adultos deve relacionar a teoria com a prática e, ainda, direcionar o conteúdo para a realidade de cada indivíduo.

Sim, é um grande desafio!


Além de fazer sentido nas teorias e práticas andragógicas, esses são alguns dos princípios da Gerontagogia (Lessa & Bolton, 1978) ou da Eldergogia (Yeo, 1982), a educação dos idosos. Caso você tenha interesse em saber mais sobre essa vertente da Ciência da Educação, deixa nos comentários. Faço questão de escrever um artigo sobre o tema!


Para finalizar o texto, utilizo de um exemplo de dentro da minha própria família. Saiba que, tenho uma avó, Gilda Beck, que nasceu em 1940 e é mais ‘jovem’ que muita gente que conheço. Em tese, uma pessoa com 81 anos não aprende truques novos, ainda mais se esses truques sejam da área de tecnologia. Certo? Errado! A Dona Gilda aprendeu a usar o notebook, a internet e até acessar as redes sociais. Acredita?!


Atualmente, sozinha, ela administra um grupo sobre doramas (séries coreanas) com 1.700 membros. E, ainda, participou da Campus Party, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. Quando falamos de tecnologia, é claro que ela não aprende como uma criança, mas sim, ela aprende (muitos) truques novos.

Ela aprende tantos truques novos que ensina outras pessoas (bem mais novas), a acessar os seriados, encontrar links para fazer downloads, dentre outros temas. Além de tudo isso, debate sobre o desempenho dos atores/atrizes das séries e, ainda, se apaixona eventualmente pelos jovens coreanos. Será que ela é a única? Haha!


Deixando de lado a minha admiração pessoal por ela, minha querida avó, afirmo que não há idade limite para a aprendizagem. O ser humano aprende por toda a vida, basta que ele siga motivado e mantenha a mente ‘jovem’. Ele precisa querer e você, educador(a), também precisa querer.


Tem um ditado excelente de Henry Ford, que gosto muito de compartilhar:


“Qualquer um que parar de aprender será velho, seja aos 20 ou aos 80 anos. Qualquer pessoa que mantém a aprendizagem continua jovem. A coisa mais importante da vida é manter sua mente jovem”.

E aí, como está a sua mente? Reflita sobre isso.


Como sugestão de leitura sobre o tema, indico qualquer livro sobre andragogia (educação de adultos), porém, destaco a obra ‘You can teach an old dog new tricks: the psychology of adult learning‘, do autor americano Bert Nemcik. Nesta obra, Nemcik faz ótimas relações entre a expressão ‘não se ensina truque novo a cachorro velho‘ e os pressupostos andragógicos de Malcolm Knowles.

 

Para referenciar o artigo, utilizar:

Beck, C. (2021). Não se ensina truque novo a cachorro velho. Andragogia Brasil. Disponível em: https://andragogiabrasil.com.br/nao-se-ensina-truque-novo-a-cachorro-velho/

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