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Por que os alunos desistem?

Recentemente estava lendo algumas pesquisas sobre o número de egressos ‘não concluintes’ das universidades brasileiras e europeias, e resolvi refletir sobre o ‘por que os alunos desistem?‘. Começo com um dado retirado da pesquisa feita pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em parceria com a Educa Insights: de 2010 a 2015, apenas 42% dos ingressantes finalizaram seus cursos.


Estamos falando de 58% de desistências e, dependendo do curso, o número aumenta ainda mais! É comum ter relato de turmas que iniciam com 30 alunos e na conclusão restam apenas 8, 10 colegas. Em minha primeira formação, éramos duas turmas de 40 e concluímos em uma única turma de 20 alunos. Isso significa que somente 25% dos ingressantes naquele curso, concluíram a formação acadêmica.


Em Portugal, onde o ensino superior é bem acessível ($$), as universidades também enfrentam esse problema de desistência. Somente na licenciatura (graduação), 29% dos estudantes não concluíram o curso (período de 2011-2015), de acordo com a Direção-Geral de Estatística da Educação e Ciência. O mesmo acontece em diversos países, como na Alemanha (27% de desistências), e tantos outros. Por curiosidade, de acordo com a OCDE, a média é de 31% de desistências.


Preocupante, mas vamos para outro dado importante. Segundo a European Adult Education Survey, os principais motivos que levam os adultos a ‘deixarem a aprendizagem de lado’, estão: responsabilidades familiares (21%), conflito com horário de trabalho (18%), adequação ao curso (13%) e situação financeira (13%).


Outros motivos apresentados nesta pesquisa são diversos, porém sem muita representatividade em números. Alguns exemplos: problema de transporte/locomoção; conflito com os professores e/ou coordenação; conflito com os colegas; mudança de área profissional; ingresso no curso que não era a primeira opção; dentre outros.


Durante a criação deste artigo, fiz uma entrevista rápida com 4 pessoas que ‘desistiram’ dos estudos, algumas até, por mais de uma vez. Meu objetivo era validar tais dados levantados nas pesquisas e, também, buscar conhecer algumas histórias específicas de profissionais adultos que, por motivos diversos, optam por não continuar no ambiente acadêmico e concluir um curso superior.


Wilker, 26, é programador e comentou que desistiu algumas vezes do ensino superior.


“Já entrei em 3 faculdades e desisti de todas, porque tinha problemas de foco e porque achava mais interessante estudar em casa. (…) Eu não conseguia aprender com os professores em sala de aula, por exemplo, sobre banco de dados. Na internet, sozinho, aprendia bem mais fácil”.

Durante a conversa, Wilker comentou que se arrepende de não ter concluído os estudos superiores, pelo diploma, mesmo que em sua área, onde a valorização técnica está muito mais em alta, uma graduação sempre é um diferencial. 


“Quem sabe eu tente mais uma vez”,

comentou ao final da conversa.


Cristóvão, 42, iniciou a faculdade de Engenharia, mas abandonou logo no primeiro ano, pois conflitava com o horário de trabalho e também pelo custo das mensalidades.


“Na época, como não tinha a opção do EAD, o curso presencial era muito caro! Para quem trabalha e precisa tirar do bolso esse valor, pesa bastante (…) outro ponto também é que não tinha suporte da coordenação do curso, era muito distante. Eu ia conversar sobre minha situação, pois viajava bastante a trabalho e, por isso, não conseguia frequentar todas as aulas, e desanimei por não ter suporte deles. Eu era apenas mais um!”.

Tiago, 36, compartilhou conosco que tentou 2 cursos superiores, com temas bem distintos. Ingressou em Educação Física e também em Desenvolvimento de Sistemas.


“Na educação física, me identificava muito com o curso, mas não consegui concluir. Foi por pouco, porém tiveram matérias em que não me adaptei no aprendizado (…) já em Sistemas, a coisa foi outra. Eu parei o curso, pois não era o que eu esperava. Logo no primeiro semestre, tinham lá umas 7, 8 matérias que não era o que eu esperava”. 

Carla, 22, é objetiva nas respostas:


“Tentei Publicidade e Propaganda, por duas vezes. A primeira, tive que parar, por questão financeira. E na segunda, engravidei”. Destaco aqui uma frase de Carla que me chamou a atenção: “quando resolvi parar pela segunda vez, a universidade simplesmente ‘me deixou ir’, não me ofereceram alguma solução ou alternativa. Quem é mãe sabe como é difícil conciliar os estudos e as responsabilidades familiares”.

O que é que Wilker, Cristóvão, Tiago e Carla têm em comum? Motivos. Se percebermos, cada um tem seus motivos particulares, que os fizeram desistir dos cursos. Não é preciso de muitas pesquisas e estatísticas para compreender que cada indivíduo possui sua própria motivação, interesse e necessidade. Se o professor, assim como o coordenador acadêmico, estiver mais atento aos comportamentos em sala, talvez pudéssemos compreender tais ‘desmotivações‘.


Estudar não é difícil, mesmo com professores ‘chatos’, semanas de provas, colegas desinteressados, etc. Estamos acostumados com dificuldades e também aprendemos a conviver com pessoas de vários tipos. A questão é muito mais interna, é de cada um. Esse é o ponto de atenção!


Um aluno que desiste do curso por questão financeira, não o fará logo no primeiro dia. Nem aquela aluna que é mãe, o fará. São adultos, com responsabilidades, força de vontade e objetivos. Eles tentarão, até o momento que for possível, e é justamente neste processo, em que as instituições deveriam tratar o aluno como um cliente, é que se consegue perceber quais são as oportunidades de melhorias neste sistema ‘falho’ e quais as possibilidades de retenção.


Na pesquisa portuguesa para entender o por que os alunos desistem, duas frases de um especialista em educação me fizeram refletir. São elas:


“a pesquisa é a radiografia de um modelo de ensino superior falhado” e “os estudantes entram em cursos que não querem e as instituições acabam com alunos que não desejam“.

Quando as universidades começarem a olhar para estas questões internas, íntimas do indivíduo aprendiz, talvez o número de concluintes seja cada vez maior.

 

Beck, C.(2019). Por que os alunos desistem? Andragogia Brasil. Disponível em: https://andragogiabrasil.com.br/por-que-os-alunos-desistem

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